domingo, 16 de novembro de 2008

Execução Civil e Efetividade Processual:Primeiros Traços à Lei 11.232/05

Joaquim Henrique Gatto
Advogado, professor na Unijuí e Pós-Graduado em Processo Civil pela Unijuí

1. Introdução
Patentes tem sido os esforços realizados pelos órgãos legiferantes com o fito de criar uma estrutura processual adequada para que o processo não seja um fim em si mesmo. Com esse intuito, no final de 2005, mais precisamente em 22 de dezembro, foi promulgada a Lei 11.232, criando uma nova sistemática para a execução da sentença no processo civil.
Munida com 9 artigos e vacatio legis de 6 meses, a lei altera o modelo teórico do Código de Processo Civil de 1973 em que Alfredo Buzaid previu Conhecimento e Execução separados, com ações autônomas para cada qual. É necessário, segundo o modelo ainda vigente, que a execução de sentença condenatória se dê em outro processo, diferente do que a criou, já que a mesma era vista como ato final do processo.
Na busca de um desenvolvimento processual, reconhece-se que não é crível que existam duas ações quando a pretensão é apenas uma, tendo a execução que ser uma fase de continuidade do processo.
A Lei 10.444/02 suprimiu o processo autônomo de execução para as sentenças não condenatórias, quais sejam, fazer, não-fazer (461 CPC) e entregar (461-A CPC). A Lei 11.232/05 faz desaparecer o processo autônomo de execução nas sentenças condenatórias, fazendo com que aquela seja uma continuação dentro do processo de conhecimento. Comemora-se enfim, a extinção da execução de título judicial mediante processo autônomo.
Por mais tarde que essa mudança tenha ocorrido, contribui sensivelmente o legislador para que se concretize no plano factual, que é onde importa, a ocorrência da efetividade das aspirações das partes, procurando a verdadeira concessão da tutela jurisdicional.
2. Modificações mais relevantes
O Código de Processo Civil sofreu alterações estruturais de significada importância.
A primeira, e muito importante alteração, é a que se dá no parágrafo 1º do artigo 162 do CPC, com a mudança do conceito de sentença, acabando-se com a idéia de que a mesma põe fim ao processo e com a ruptura entre os procedimentos de conhecimento e execução.
No artigo 269 é possível identificarmos que não se fala mais em extinção do processo com julgamento de mérito, mas em “resolução de mérito”, o que nos permite afirmar que a sentença é o ato final da fase de conhecimento e não o ato que acaba com o ofício jurisdicional como prescrevia o art. 463 e que também foi devidamente alterado. Um problema que se identifica no entanto é como fica no caso da existência de dois pedidos cumulados, quando as partes fazem acordo em relação à um deles.
Os artigos 639, 640 e 641 saem da Seção I do Capítulo III do Título II do Livro II e integram a Seção I do Capítulo VIII do Título VIII do Livro I, pelos números 466-A, 466-B e 466-C, mantendo-se as respectivas redações, ocorrendo entretanto um pequeno ajuste. Já que o art. 641 trata da parte geral da tutela específica relativa às obrigações de emitir declaração de vontade, passou a ser o art. 466-A, e os artigos 639 e 640 passaram a ser os artigos 466-B e 466-C.
No que tange à liquidação de sentença, esta foi levada para dentro do processo de conhecimento, saindo do Livro II do CPC e formando o Capítulo IX do Título VIII do Livro I, denominado de “DA LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA”, resultando na renumeração e alteração de alguns artigos, fluindo como etapa do processo de conhecimento sendo sua decisão recorrível mediante Agravo de Instrumento e não mais Apelação (art. 475-H).
Nesse item, dentre as principais mudanças destacamos que o caput do artigo 603 passou a ser o caput do 475-A com exclusão dos termos “não individuar o objeto da condenação”. Melhor seria ter utilizado na redação nova, a palavra “quantidade” e não “valor” já que aquela é mais abrangente.
No parágrafo 3º do art. 475-A, que prevê a impossibilidade de sentença ilíquida para as alíneas “d” e “e” do art. 275, II, a pergunta que fica é como o juiz vai fixar um valor.? Para o professor Alexandre Câmara do Instituto Ada Pelegrini Grinover/Luiz Flavio Gomes, a solução quanto à letra “d” seria converter para o procedimento Ordinário. Para a letra “e” não haveria problema pois o contrato de seguro fixa o teto.
A nova lei cria o Capítulo X do Título VIII do Livro I, designado de “DO CUMPRIMENTO DA SENTENÇA”, composto pelos artigos 475-I a 475-R. Podemos dizer que neste capítulo temos o regramento para a execução de sentença de quantia, consubstanciando-se no ponto onde haverá as mais significativas mudanças no plano social, no mundo dos fatos.
Um ponto em que resta uma pergunta digna de nota reside sobre o art. 475-J que estabelece o prazo de 15 dias para o pagamento de quantia certa mas que não identifica entretanto o dia em que esse prazo começa a contar. Penso que neste caso a intimação deve ser pessoal já que é o devedor quem deve efetuar o pagamento e não seu procurador.
Não feito o pagamento no prazo de 15 dias, incide ao executado multa de 10% sobre o valor da dívida (475-J) como incentivo ao cumprimento. Hippólyto Brum Jr. entende que “a incidência desta multa é automática, independente de requerimento, ao contrário da expedição do mandado de penhora e avaliação, que dependerá do requerimento expresso.”
Entendemos desnecessária a previsão do parágrafo 4º deste artigo pela obviedade.
Após transcorrer o prazo de 15 dias sem o pagamento do executado nem pedido de prosseguimento da execução pelo credor no prazo de seis meses, o juiz mandará arquivar os autos, sem prejuízo de seu desarquivamento a pedido da parte (475-J, § 5º).
Essa lei poderia ter aproveitado o momento e estabelecido a penhora de ofício, como há tempos a CLT prevê, e não “a requerimento do credor” como prescreve o novo art. 475-J. A nova lei ainda, retira a avaliação de onde se encontrava e junta com a penhora, transferindo ao Oficial de Justiça esse ônus, permitindo assim efetiva celeridade processual, um dos, senão o maior objetivo desta lei.
Para que a efetividade da execução se solidifique, o advogado Francisco Montenegro Neto sugere “a adoção na execução civil dos instrumentos adotados na execução trabalhista, dos quais é símbolo maior a " penhora on line" , contribuição robusta para a efetividade do processo. Em alguns Tribunais de Justiça, bastará uma maior adesão ao sistema já existente, pois há notícias da resistência por parte de magistrados pouco afeiçoados ao manuseio das senhas que detonam o dispositivo da constrição eletrônica na Justiça Comum.”
Somente após a penhora e avaliação é que se realiza a intimação do devedor, nos termos do parágrafo 1º do art. 475-J, podendo aquele oferecer “Impugnação” e não mais “Embargos”.
Com a eliminação dos Embargos do Devedor, substituídos pela Impugnação, ataca-se o tempo, ponto nevrálgico do processo, tornando a fase de execução um momento mais célere em comparação com a execução autônoma, que com essa lei desaparece.
A Impugnação de acordo com o novo texto legal somente poderá versar sobre falta ou nulidade da citação, se o processo correu à revelia; inexigibilidade do título; penhora incorreta ou avaliação errônea; ilegitimidade das partes; excesso de execução e qualquer causa impeditiva, modificativa ou extintiva da obrigação, como pagamento, novação, compensação, transação ou prescrição, desde que superveniente à sentença (475-L).
Se o executado alegar excesso de execução, deverá declarar o valor que entende correto sob pena de rejeição liminar dessa impugnação (475-L, § 2º). Excelente modificação que reduz o campo de atuação do executado que na maioria das vezes utiliza-se dos permissivos legais para furtar-se do cumprimento da decisão. Configura-se uma alteração substancial, pois a Impugnação perde o caráter de ação autônoma incidental passando a ser apenas um incidente processual, cuja decisão permite inconformidade via recurso de Agravo de Instrumento e não mais Apelação, salvo quando extinguir a execução. A lei propositalmente estabeleceu o Agravo de Instrumento, já que não haveria sentido se fosse retido, haja vista a inexistência de Apelação vindoura. O Agravo será recebido sem efeito suspensivo, ocorrendo esse, naquelas situações em que se verificar a presença do fumus boni iuris e do periculum in mora. A decisão acerca da Impugnação se dará nos próprios autos, salvo se à ela for atribuído efeito suspensivo, situação que não impede o executado de requerer o prosseguimento da execução desde que preste caução suficiente e idônea, cf. previsão do parágrafo 1º do art. 475-M.
Com a fusão das fases, elogia-se o afastamento da citação pessoal para iniciar a execução, substituída pela intimação na pessoa do procurador. Dentre a relação de títulos executivos judiciais, que pela nova lei aparecem no artigo 475-N, é interessante verificar que a necessidade de citação nos casos dos incisos II (sentença penal condenatória transitada em julgado), IV (sentença arbitral) e VI (sentença estrangeira, homologada pelo Supremo Tribunal de Justiça), se dá pela ausência de processo de conhecimento precedente.
Relevante novidade no campo da competência é a trazida no parágrafo único do art. 475-P que prevê a possibilidade pelo exeqüente em optar pelo juízo do local dos bens ou pelo atual domicílio do executado para ver processar a execução.
O art. 475-Q que traz a redação do art. 602 com uma alteração, revoga o Enunciado 313 do STJ já que passa a facultar a constituição de capital para a garantia de pagamento de pensão nas indenizações por ato ilícito.
No que se refere à Fazenda Pública, esta manteve o privilégio de prosseguir se utilizando dos Embargos do Executado. O Capítulo II do Título III do Livro II do CPC, passa a designar-se “DOS EMBARGOS À EXCUÇÃO CONTRA A FAZENDA PÚBLICA” alterando-se o artigo 741. Perdeu grande oportunidade o legislador de efetuar mudanças para equiparar as partes nas lides judiciais, por certo por entender que há supremacia do interesse público sobre os demais.
Por força das alterações executadas por essa lei, outros dispositivos tiveram que ser adequados, como é o caso do art. 1.102c referente ao procedimento monitório, já que após conversão do mandado inicial em executivo, prossegue-se na forma do Livro I e não mais do Livro II.
Segundo o professor Glauco Gumerato Ramos, “em breve a tendência do direito processual civil brasileiro será caminhar ao encontro de uma descomplicação de seu sistema, para viabilizar que o processo através do qual se exerce a jurisdição civil seja cada vez mais útil. Vale dizer: simples no seu manejo e útil em seus resultados. Após toda a consciência difundida e absorvida pela fase instrumentalista, quero crer que agora partiremos para uma fase utilitarista (ou de utilidade) do processo civil. O processo civil deve ser útil em seus resultados sob a ótica do jurisdicionado!”
Uma adequação de redação que deixou de ser realizada pela lei está no parágrafo 3º do art. 273, já que o mesmo mantém referência ao art. 588 agora não mais existente, quando deveria referir-se ao art. 475-O. Assim, onde está escrito 588 lê-se 475-O.
3. Conclusão
Caminhamos, mesmo que lentamente e cientes de que muito há para ser feito, para um processo civil mais simplificado, com procedimentos hábeis para oferecer a tutela jurisdicional no plano prático, local onde se esperam os efeitos das resoluções proferidas em juízo.
Com as reformas processuais empreendidas e após a análise desta lei, verifica-se a perda, ao menos em parte, da importância da separação entre procedimento de conhecimento, execução e cautelar.
Resta evidente que prescindir da execução, evitando a dicotomia de ações (conhecimento e execução), conduz à celeridade/efetividade processual. O panorama processual fica alterado com vistas a permitir que o maior interessado no rápido deslinde do feito, qual seja, o jurisdicionado, receba a tutela jurisdicional que lhe satisfaça .
Referências BibliográficasBrum Jr, Hippólyto. LEI 11.232 de 22.12.2005. CUMPRIMENTO DA SENTENÇA: algumas considerações. Porto Alegre.
MONTENEGRO NETO, Francisco. A Nova Execução e a Influência do Processo do Trabalho no Processo Civil. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 4, nº 162.
Ramos, Glauco Gumerato. A Lei nº 11.232/05 e os novos rumos do processo civil brasileiro. A caminho da fase utilitarista do processo. Jus Navigandi, Teresina, a. 10, n. 921, 10 jan. 2006.

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