segunda-feira, 27 de outubro de 2008

ASPECTOS DA INEXIGIBILIDADE DE ADVOGADO NO PROCESSO

O Direito brasileiro é um direito de tradição, ou seja, dependente de leis e normas escritas, não se tratando de um direito consuetudinário, como é, por exemplo, o direito inglês, ou seja, não surge de costumes de uma sociedade que no decorrer dos anos vão se sedimentando e transformam-se em verdadeiro Direito Positivo.
Em nosso País está vigente o chamado civil law, ou seja, cada magistrado tem o poder de interpretar livremente o conteúdo jurídico dos dispositivos normativos de modo a atingir o resultado que, em sua opinião, for o mais adequado ao caso submetido à tutela jurisdicional,
valendo dizer que a fonte primária dos direitos é sempre a lei.
No nosso ordenamento jurídico, em dezembro de 2004, foi incorporada ao texto constitucional de 1988, a Emenda de número 45, a chamada "Reforma do Poder Judiciário".
Uma das inovações mais polêmicas dessa emenda constitucional é a inserção da súmula vinculante nos meandros do nosso ordenamento jurídico.
Vozes de peso se posicionaram em virtude do advento da Súmula vinculante, porém, não obstante às divergências de opiniões, foi inserido pela EC 45, o art. 103-A, na Constituição, prevendo expressamente a súmula vinculante. Não se trata de um instituto inovador, pois a chamada vinculação das decisões já existia, mesmo antes da reforma, para as decisões definitivas de mérito proferidas pelo STF em sede de ação declaratória de constitucionalidade (art. 102, § 2º, da CF).
Cabe, no entanto, ressaltar que a controvertida idéia de uma súmula com efeitos normativos não é nova, tendo sido proposta pela primeira vez em 1946, tendo sido rejeitada e novamente proposta em diversas outras ocasiões, seja por emenda à constituição, seja por alteração
infraconstitucional.
Em virtude deste dispositivo constitucional foi editada a Lei nº. 11.417, de 19 de dezembro de 2006.
Isto posto, o Excelso Pretório editou até o momento poucas súmulas vinculantes, sendo a que nos interessa para o presente estudo a de nº 5, à saber:

SÚMULA VINCULANTE Nº 5
A FALTA DE DEFESA TÉCNICA POR ADVOGADO NO PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR NÃO OFENDE A CONSTITUIÇÃO.

A edição da presente súmula derivou da decisão no RE 434.059/DF, em que a União Federal e o INSS recorriam da decisão do STJ que anulara, sob o fundamento de que seria obrigatória a presença de advogado no processo disciplinar, a demissão imposta a uma servidora daquela autarquia, isso porque aquele processo disciplinar desafiava à matéria já sumulada pelo Colendo Superior Tribunal de Justiça, quando da edição da súmula 343, in verbis:

"É obrigatória a presença de advogado em todas as fases do processo
administrativo disciplinar."

Porém, o Excelso Pretório não só se pronunciou sobre a matéria, como o fez para adotar posição diametralmente oposta do STJ com eficácia erga omnes e efeitos vinculantes.
Assim, nos vemos diante de um posicionamento reformador, eis que uma Corte Excelsa situada no topo da estrutura do Poder Judiciário ao estabelecer uma norma vinculante sobre uma matéria que já estava decidida em uma outra respeitável instância (STJ) faz com que a
mesma não mais seja observada.
Entretanto, fica o questionamento: a súmula vinculante em comento afeta o Princípio da Ampla Defesa? E se afeta, como afeta?
A ampla defesa tem fundo constitucional, uma vez que se encontra prevista no art. 5º, LV, da Constituição, ou seja, é conditio sine qua non para legitimidade em qualquer processo, que os eventuais interessados tenham a oportunidade de se defender das situações ali constantes as quais possam lhe causar resultados desfavoráveis.
Sendo assim é indubitável que o tema também é relevante não só com processos judiciais, porém inclusive nos processos disciplinares.
A Súmula determina que o processo em que não houve acompanhamento por advogado é válido. No entanto, isso não significa que não se deva oportunizar ao servidor a constituição de advogado. É direito do servidor acusado e do interessado em qualquer processo administrativo (Art. 3º, IV da Lei nº 9.784/99) ser assistido por advogado, se assim desejar.
Se analisarmos na ótica do Administrador a citada Súmula é importantíssima eis que surge para evitar discussões judiciais em processos cuja parte tenha optado voluntariamente por não utilizar a defesa técnica de advogado. Entretanto, não podemos nos olvidar de que, sob a ótica do Direito
Administrativo não deverá ser negada ao administrado a oportunidade de defesa técnica de advogado, cabendo a este a invocação da referida prerrogativa nos termos e prazos do processo administrativo, sob pena de não poder discutir seu cerceamento em sede judicial.
Outro fato relevante nessa Súmula e que ela adveio de um processo onde figuraram com demandante e demandado pessoas e órgãos “não-militares”, daí poder-se-ia dizer que não abarca os processos administrativos militares.
Tal argumento não prospera juridicamente uma vez que a Súmula Vinculante nº 5 é, até mesmo pelo tamanho da mesma, extremamente genérica, não definindo a que processos administrativos disciplinares se refere, caracterizando dessa forma uma preconização ampla e generalista, ou
seja, basta que um processo seja administrativo e que seja disciplinar para ver-se amparado pela aludida súmula.
Impõe-se saber, contudo, que a justificativa para que existam, regimes disciplinares se faz presente em virtude da necessidade de regularidade na prestação do serviço público e da essencialidade do papel que os agentes públicos desempenham nesta função.
Isso porque a eles é dado a prerrogativa para atuarem em nome do Estado, sendo assim, ao Poder Público compete estabelecer regras que limitem esta atuação, bem como, as respectivas sanções em casos de descumprimento.
Nesse esteio cabe aduzirmos que se a atuação do servidor público não se pautar nos limites legais fixados e nos princípios constitucionais que a regem, fundamentando-se, ao contrário, em interesses pessoais, além de não cumprirem o objetivo da prestação adequada do serviço público
cristalizará conseqüentemente a violação de outros direitos fundamentais do cidadão.
Desta forma podemos asseverar que o regime disciplinar do Funcionário Público é o conjunto sistemático de normas que definem as vedações, os deveres, responsabilidades, as próprias transgressões, as garantias e recompensas, cuja observância e aplicação objetivam resguardar o
cumprimento dos princípios da Administração Pública insculpidos na Constituição.
Diante do exposto cabe derradeiramente aduzirmos que não pode o Estado, a pretexto de garantir o direito dos cidadãos ao bom funcionamento do serviço público, valendo-se do processo disciplinar, violar garantias asseguradas aos servidores acusados vez que o processo
administrativo disciplinar é não só um instrumento do Estado para a equalização e bom funcionamento da máquina estatal, como também uma garantia do acusado e de todos os cidadãos em obterem um procedimento justo e harmonioso com os ditames legais vigentes na busca da verdade real.

Paulo Henrique Laureano Freire

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