quarta-feira, 2 de julho de 2008

COMPENSAÇÃO PECUNIÁRIA NAS FORÇAS ARMADAS

Walter Santos Peniche - Oficial da Ativa do Quadro Técnico do Corpo Auxiliar da Marinha. Bacharel em Direito. Pós-graduado em Direito Penal e Processo Penal e em Direito Militar. Assessor Jurídico do Centro de Instrução Almirante Alexandrino.

RESUMO

O presente estudo tem o propósito de apontar os fundamentos da revogação do direito à Compensação Pecuniária, prevista na Lei nº 7.963, de 21 de dezembro de 1989, confrontando-se com a Lei nº 8.237, de 30 de setembro de 1991 e com a Medida Provisória nº 2.215-10, de 31 de agosto de 2001, além de considerar que a exclusão do serviço ativo pela via do licenciamento por conveniência do serviço não constitui requisito exigido pela Lei nº 7963/1989 para a concessão do benefício da Compensação Pecuniária.

1. INTRODUÇÃO

Situação corrente no âmbito do direito militar diz respeito ao direito remuneratório dos militares das Forças Armadas atinente à Compensação Pecuniária, prevista na Lei nº 7.963, de 21 de dezembro de 1989.

Considerando que após a edição da lei que trata da Compensação Pecuniária, a estrutura da remuneração dos militares das Forças Armadas sofreu alterações com a Lei nº 8.237 de 30 de setembro de 1991, e com a atual Lei de Remuneração dos Militares, a Medida Provisória nº 2.215-10, de 31 e agosto de 2001, reedição do diploma original, a Medida Provisória nº 2.131, de 28 de dezembro de 2000, faz-se mister uma análise quanto à pertinência da Compensação Pecuniária.

Duas são as divergências a respeito do assunto. A primeira quanto à revogação do direito à compensação em razão da estrutura da Lei de Remuneração dos Militares da Forças Armadas, apresentada pela Lei nº 8.237/1991 e pela MP nº 2.215/2001. A segunda, vencida a tesa da revogação, trata da pertinência da compensação em relação aos militares excluídos das Forças Armadas por conveniência do serviço, antes de concluírem a prorrogação do tempo de serviço, assumido por compromisso militar.

2. COMPENSAÇÃO PECUNIÁRIA

A Compensação Pecuniária, prevista na Lei nº 7.963, de 21 de dezembro de 1989, está descrita no seu art. 1º, da seguinte forma:

Art. 1º - O oficial ou a praça, licenciado ex officio por término de prorrogação do tempo de serviço, fará jus à compensação pecuniária equivalente a 1 (uma) remuneração mensal por ano de efetivo serviço militar prestado, tomando-se como base de cálculo o valor da remuneração correspondente ao posto ou à graduação, na data de pagamento da referida compensação (grifo nosso).

Antes de tratar da situação qualificada como requisito para a concessão da Compensação Pecuniária (término de prorrogação do tempo de serviço), abordaremos a aplicação da lei no tempo, considerando a edição da Lei nº 7.963/1989 em relação à Lei nº 8.237/1991 e à MP nº 2.215-10/2001.

2.1 – APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO

A Lei de Introdução ao Código Civil, Decreto-Lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942, que, antes de introduzir o Código Civil, estabelece princípios aplicáveis a todos os ramos do direito, considerados, como são, no conjunto de normas, parte integrante do sistema jurídico brasileiro, no seu art. 2º trata da vigência das leis, in verbis:

Art. 2º - Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue.
§1º - A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior.
§2º - A lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior.
§3º - Salvo disposição em contrário, a lei revogada não se restaura por ter a lei revogadora perdido a vigência.

A Lei nº 8.237, de 30 de setembro de 1991, foi editada com a finalidade de dispor sobre a remuneração dos militares. Esse diploma, enquanto estava em vigor estabeleceu Gratificações e Indenizações como parcelas estruturais da remuneração dos militares das Forças Armadas.

Denominou-se Gratificação de Compensação Orgânica a destinada a compensar os desgastes orgânicos conseqüentes das variações de altitude, das acelerações, das variações barométricas, dos danos psicossomáticos e da exposição a radiações resultantes do desempenho continuado de atividades especiais determinadas. Essa gratificação destinava-se a compensar as condições do serviço, sem vincular-se ao tempo de serviço prestado.

As Indenizações eram consideradas como parcelas remuneratórias regulares ou eventuais, devidas ao militar, para compensar despesas realizadas em decorrência do exercício de suas funções. No rol de indenizações não consta a indicação de Compensação Pecuniária atinente à conclusão de prorrogação de tempo de serviço.

Por outro lado, a única indenização que se estendia ao militar ao passar para a reserva não remunerada era a Indenização de Transporte, que tinha o propósito de custear a passagem e a bagagem para o retorno à cidade de origem, não estava prevista na Lei nº 8.237/1991, tinha espeque na Lei do Serviço Militar, mas não se referia ao tempo de serviço prestado.

Ressalte-se que o Decreto nº 986, de 12 de novembro de 1993, com o pretexto de regulamentar a Lei nº 8.237/1991, criou, irregularmente, o direito à indenização de transporte, nos termos acima, para os militares incluídos na reserva não remunerada (1). A Lei nº 8.237/1991, tratou do assunto referindo-se apenas às movimentações por interesse do serviço e não incluiu nesse rol os licenciados do serviço ativo, que, inclusive, não podem ser movimentados porque não estão na ativa (2). O direito ao transporte para os militares temporários emerge da Lei nº 4.375/1964, apesar de não ter sido mencionada no Decreto nº 986/1993 (3).

Do acima transcrito, conclui-se que a Lei nº 8.237/1991, parece ter tratado inteiramente do tema “compensação”, sem mencionar como requisito o tempo de serviço.

Nesse sentido, infere-se que a Lei nº 7.963/1989, lei anterior, foi tacitamente revogada pela Lei nº 8.237/1991, que passava a estabelecer inteiramente os parâmetros da compensação pelo tempo de exercício na atividade militar.

De outra forma, atente-se para o art. 93 da Lei nº 8.237/1991, que fixava a intenção legal de, agora de maneira expressa, revogar todas as disposições atinentes a direitos remuneratórios dos militares, anteriores à sua vigência, aí incluída a compensação pecuniária:

Art. 93 – Ficam extintas qualquer outras vantagens remuneratórias que vinham sendo pagas aos militares na ativa e na inatividade, que não tenham sido mantidas por esta lei (grifo nosso).

Esse dispositivo, conjugado com o §1º do art. 2º da Lei de Introdução ao Código Civil, reforça a afirmativa de que todos os direitos remuneratórios devidos aos militares das Forças Armadas, à época, estavam previstos na antiga lei de remuneração (Lei nº 8.237/1991), o que encontra ressonância no §4º do art. 121 do Estatuto dos Militares (§4º - O militar licenciado não tem direito a qualquer remuneração...), afastando-se, assim, a aplicação da Lei nº 7.963/1989, e, em conseqüência, a Compensação Pecuniária. Nesse sentido, conclui-se, então, que a Lei nº 7.963/1989, que versa sobre Compensação Pecuniária perdeu a vigência a partir da edição da Lei nº 8.237/1991.

Atualmente vige a Medida Provisória nº 2.215-10/2001, que revogou a Lei nº 8.237/1991, e dispõe sobre a Remuneração dos Militares, sem cogitar de tal benefício.

2.2 – COMPENSAÇÃO PECUNIÁRIA NA LEI Nº 7.963/1989

Segundo a Lei nº 7.963/1989, a Compensação Pecuniária se constitui num benefício remuneratório a que faz jus o militar licenciado que concluiu a prorrogação do Tempo de Serviço, nos moldes da alínea a, do §3º do art. 121 da Lei nº 6.880, de 9 de dezembro de 1980. Apenas esse dispositivo trata da conclusão de tempo de serviço, a situação “conveniência do serviço” consta da alínea b (4).

Tendo em vista as peculiaridades de cada força, o §3º do art. 121 do Estatuto dos Militares conferiu autorização legal aos Comandantes de cada força para estabelecerem nos seus regulamentos outras situações não previstas no estatuto castrense, que ensejassem a exclusão do serviço ativo. Essas permissões estão inseridas na modalidade de licenciamento por conveniência do serviço, prevista na alínea b, do §3º, do art. 121 do Estatuto dos Militares.

Exemplificando, vemos que o Plano de Carreira de Praças da Marinha, documento básico do Sistema de Planejamento de Pessoal da força, que regulamenta as normas de carreira estabelecidas no Decreto nº 4.034/2002 (5), determinadas pela Lei nº 9.519/1997, dispõe que será licenciado do Serviço Ativo da Marinha ex officio a Praça que não for habilitada no Curso de Especialização (6).

Os licenciamentos que decorrem de conveniência do serviço, podem se originar, por exemplo, de infringência à norma do Plano de Carreira de Praças, e podem ser caracterizados pela falta de aproveitamento e reprovação em curso, culminando com a inabilitação nos cursos de carreira.

A despeito da expressão “conveniência”, o limite da discricionariedade para dispor sobre a situação que conduzirá o militar à exclusão ex officio se encerra quando a vontade da Administração for fixada no regulamento específico. No momento em que a regra constar nos Planos de Carreira das forças, os efeitos passam a ser produzidos de forma vinculada ao regulamento, o que obriga a Administração a realizar a exclusão do militar, quando inserido nas situações consideradas como conveniência do serviço.

Isso significa que, nos termos em que se encontra estampado na alínea d, inciso 3.20.5, do art. 3.20 do PCPM (edição 2007), a inabilitação no Curso de Especialização ensejava o licenciamento do Serviço Ativo ex officio, antes de concluído o compromisso de tempo de serviço assumido.

Durante o curso encontra-se em plena vigência o compromisso de permanecer na força, ou seja, se o militar infringir a regra do plano de carreira sabe que pode ser inabilitado no Curso de Especialização, culminando com a sua exclusão do serviço, sem que conclua o compromisso de tempo de serviço.
A Lei nº 7.963/1989, taxativamente, determina a concessão do benefício para aquele que efetivamente concluir a prorrogação do Tempo de Serviço. Assim, verifica-se que o licenciamento por conveniência do serviço não foi abrangido pela lei que dispõe sobre a Compensação Pecuniária.

As jurisprudências dos tribunais não consideram o licenciamento por conveniência do serviço como motivo para a concessão da Compensação Pecuniária.

Ainda tomando como exemplo a regulamentação interna da Marinha, a Publicação DGPM-301 (1ª revisão) (7) elenca no inciso 10.9.3 do art. 10.9 as situações que motivam o licenciamento por conveniência do serviço, dentre as quais consta a incapacidade temporária constatada por Junta de Saúde.

O Superior Tribunal de Justiça julgou improcedente o pedido de Compensação Pecuniária que se fundamentava em exclusão decorrente de incapacidade de saúde, conforme Acórdão abaixo transcrito:

RECURSO ESPECIAL Nº 803.595 - RN (2005/0206515-6)RELATOR : MINISTRO ARNALDO ESTEVES LIMARECORRENTE : LUIZ VANDERLEY VALCACIOADVOGADO : JOÃO PAULO DOS SANTOS MELO E OUTRORECORRIDO : UNIÃORELATÓRIOMINISTRO ARNALDO ESTEVES LIMA:(...)Insurge-se o recorrente contra acórdão do Tribunal Regional Federal da 5ª Região que não lhe reconheceu o direito à compensação pecuniária estabelecida no art. 1º da Lei 7.963/99, ao fundamento de que o benefício não é devido nas hipóteses em que o licenciamento do militar decorre de incapacidade definitiva.O acórdão recorrido foi assim ementado (fl. 65):EMENTA: ADMINISTRATIVO. MILITAR. MARINHA. DESINCORPORAÇÃO DO SERVIÇO. COMPENSAÇÃO PECUNIÁRIA ESTABELECIDA NA LEI 7.963/99. IMPOSSIBILIDADE.I. Licenciamento baseado na desincorporação em razão da ocorrência de incapacidade definitiva, em face de doença sem causa e efeito com o serviço. Não preenchidos os requisitos estabelecidos no art. 1º da Lei 7.963/99, que estabelece a compensação pecuniária por licenciamento ex officio.II. Apelação improvida.O recorrente alega, em suas razões de recurso especial, contrariedade ao art. 1º da Lei 7.963/99, ao argumento de que o licenciamento ex officio deve ser entendido como qualquer modalidade de exclusão de militar do quadro a que pertence. Assim, mesmo tendo sido licenciado por incapacidade definitiva, faria jus à compensação pecuniária.Contra-razões às fls. 76/81.O recurso especial foi admitido pelo Tribunal de origem (fls. 83/84).É o relatório.EMENTAADMINISTRATIVO. MILITAR. LICENCIAMENTO POR INCAPACIDADE DEFINITIVA. BENEFÍCIO DE COMPENSAÇÃO PECUNIÁRIA INDEVIDO. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E IMPROVIDO.1. Nos termos do art. 1º da Lei 7.963/99, o benefício da compensação pecuniária é devido ao militar apenas na hipótese de licenciamento ex officio por término da prorrogação do tempo de serviço.2. Hipótese em que o militar foi licenciado por incapacidade definitiva e antes do término da prorrogação, motivo pelo qual o benefício não lhe é devido.3. Recurso especial conhecido e improvido.VOTOMINISTRO ARNALDO ESTEVES LIMA (Relator):O recorrente pretende, com fundamento no art. 1º da Lei 7.963/99, o reconhecimento do direito à compensação pecuniária por ter sido licenciado das fileiras da Marinha.O recorrente era Fuzileiro Naval da Marinha do Brasil. Em razão de incapacidade definitiva, foi licenciado do serviço militar, motivo que enseja o presente pedido de pagamento de compensação pecuniária.O benefício de compensação pecuniária, devido em valor equivalente a um soldo mensal por ano de serviço militar prestado, foi instituído pela Lei 7.963/89, que dispõe, em seu art. 1º:Art. 1º. O oficial ou praça, licenciado ex officio por término de prorrogação de tempo de serviço, fará jus à compensação pecuniária equivalente a 1 (uma) remuneração mensal por ano de efetivo serviço militar prestado, tomando-se por base de cálculo o valor da remuneração correspondente ao posto ou à graduação, na data do pagamento da referida compensação.Da leitura do dispositivo, infere-se que, para a percepção do benefício, é necessário que o militar tenha sido licenciado ex officio por término de prorrogação de tempo de serviço.Na espécie, todavia, não houve licenciamento ex officio, mas licenciamento por incapacidade definitiva decorrente de doença sem relação de causa e efeito com o serviço prestado pelo recorrente na Marinha. Ademais, o licenciamento ocorreu antes do término da prorrogação do tempo de serviço.Assim, tendo em vista que o recorrente não preencheu os requisitos para a concessão do benefício, nos termos do art. 1º da Lei 7.963/89, não lhe é devida a compensação pecuniária.De fato, o dispositivo legal estabelece, de forma patente, os pressupostos para o pagamento da compensação pecuniária. Não deve ser interpretado de modo a alcançar situações nele não previstas, tal qual a presente hipótese.Ante o exposto, conheço do recurso especial e nego-lhe provimento.É o voto. (grifo nosso)

No mesmo sentido caminhou o Tribunal Regional Federal da 2ª região (Rio de Janeiro):

APELACAO CIVEL 2002.51.01.010603-6RELATOR : DESEMBARGADOR FEDERAL RALDÊNIO BONIFACIO COSTAAPELANTE : LUCIANO ALVES DE LIMAADVOGADO : CLAUDIA VALADARES THEODORO E OUTROAPELADO : UNIAO FEDERALORIGEM : DÉCIMA QUINTA VARA FEDERAL DO RIO DE JANEIRO (200251010106036)RELATÓRIOTrata-se de ação proposta por LUCIANO ALVES DE LIMA, em face da UNIÃO, objetivando o pagamento de compensação pecuniária, nos termos da Lei nº 7.963/89, equivalente a 05 (cinco) remunerações de soldado, com correção desde a citação. (...)Remetidos os autos a este Egrégio Tribunal, opinou o Nobre Representante do Parquet Federal, às fls. 76/77, pelo não provimento do recurso de apelação. (...)É o relatório. Peço dia para julgamento. Rio de Janeiro, 02 de julho de 2007. RALDÊNIO BONIFACIO COSTA - RELATORVOTOO EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL RALDÊNIO BONIFACIO COSTA - (RELATOR):1 - Conheço da apelação, porque presentes os requisitos de admissibilidade.2 - Conforme relatado, trata-se de ação ajuizada por LUCIANO ALVES DE LIMA, objetivando a percepção da compensação pecuniária devida, nos termos da Lei nº 7.963/89, em virtude do tempo de serviço militar efetivo prestado.3 - Inconformado com a r. Sentença a quo, apelou o Autor sustentando que jamais requereu seu licenciamento. 4 - Razão, no entanto, não assiste ao Apelante.5 - Segundo dispõe o artigo 121, da Lei nº 6.880/80 (Estatuto dos Militares), o licenciamento do serviço ativo se efetua de duas formas: “a pedido” ou “ex officio”, sendo que o licenciamento ex officio pode se dar de três maneiras: “por conclusão de tempo de serviço ou de estágio”; “por conveniência do serviço” ou “a bem da disciplina”.6 - O artigo 1º, da Lei nº 7.963, de 21 de dezembro de 1989, concedeu o benefício da compensação pecuniária somente ao militar temporário licenciado ex officio por término de prorrogação de tempo de serviço, excetuando, dessa forma, os que forem licenciados ex officio por conveniência do serviço ou a bem da disciplina, bem como aqueles cujo licenciamento efetuou-se a pedido. 7 - In casu, não logrou o Apelante trazer aos autos qualquer prova de que o seu licenciamento ocorrera por término de tempo de serviço, ao revés, os documentos adunados aos autos, pela parte apelada, demonstraram que o licenciamento se dera a pedido do próprio.8 - Assim, irrepreensível a r. Sentença da lavra do Eminente Juiz Federal, Dr. DARIO RIBEIRO MACHADO JUNIOR, cujos fundamentos adoto como razão de decidir, verbis: (...)9 - Isto posto, NEGO PROVIMENTO À APELAÇÃO, mantendo, in totum, a r. Sentença de primeiro grau. 10 - É como voto. RALDÊNIO BONIFACIO COSTA – RELATOR (grifos nossos)

2.3 – DESCUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES MILITARES

Outro ponto a ser comentado refere-se ao descumprimento das obrigações militares, uma vez que a modalidade de licenciamento considerada por conveniência do serviço, no exemplo citado, refere-se à reprovação em curso, por falta de aproveitamento. Assim, faz-se mister a abordagem desse fato sob a ótica disciplinar.

O Tempo de Serviço se estabelece pela assunção do compromisso de permanecer no serviço ativo por determinado lapso temporal. Aquele que deixa de se dedicar ao serviço, não se empenhando ou não envidando esforços para o aprimoramento profissional e zelo pelo preparo intelectual próprio, em busca da eficiência do serviço, conforme exige o inciso VI, do art. 27 e inciso VI do art. 28 da Lei nº 6.880/1980 (8), não merece benefício algum, pois não seria lógico bonificar o desidioso, além de constituir princípio de direito em que: “ninguém pode se beneficiar da sua própria torpeza”. Principalmente, considerando que o militar dispõe de outros meios para deixar, “a pedido”, o Serviço Público, caso seja seu interesse, o que possibilitaria, no exemplo da inabilitação em curso de carreira, a substituição por outro militar para ocupar a vaga acadêmica, para reduzir a probabilidade de reprovação durante o curso.

A falta de aproveitamento impede a conclusão do tempo de serviço que deveria ser cumprido pelo prazo assumido por compromisso. O baixo rendimento escolar ocorre, normalmente, por culpa exclusiva do próprio aluno. Nesse caso, não cabe à Administração arcar com o ônus dessa conduta, pois as obrigações militares exigem o aprimoramento técnico-profissional e o zelo pelo preparo intelectual próprio, nos termos do Estatuto dos Militares.

Ressalte-se que a União emprega recursos públicos, financeiros e humanos, na condução e desenvolvimento dos cursos ministrados nos diversos centros de instrução e escolas militares, de maneira que não se perfaz razoável beneficiar em Compensação Pecuniária o indivíduo que não teve o aproveitamento, sequer aceitável no curso, desperdiçando o investimento realizado e não oferecendo a contrapartida esperada pela Administração (9), obrigando-a a efetivar a sua exclusão.

Nesse caso, não há como justificar o interesse público para o recebimento da Compensação Pecuniária, quando, na verdade, o cidadão deveria restituir o investimento empregado e não revertido em prol da Administração, motivo pelo qual se vislumbra incorreto o recebimento do montante referente a essa rubrica, não sendo cabível a Compensação Pecuniária quando o licenciamento do serviço ativo ocorrer conforme o prevê a alínea b, do §3º e §4º, inciso II, do art. 121 da Lei 6.880/80 (Estatuto dos Militares), conveniência do serviço.

A exclusão por conveniência do serviço diferencia-se do licenciamento "por término de prorrogação de tempo de serviço", posto que, não fosse a reprovação no curso, não haveria a exclusão. Note-se que o licenciamento ocorre por imposição do regulamento escorado no Estatuto dos Militares.

A Lei nº 7.963/89, regulamentada pelo Decreto nº 99.425/90, trata da Concessão de Compensação Pecuniária, a título de benefício, ao militar temporário das Forças Armadas, por ocasião do seu licenciamento.

O fato gerador do direito é o término de prorrogação do tempo de serviço. A intenção da lei é proporcionar ao militar que perdeu o vínculo com a caserna uma compensação pelo tempo de serviço empregado em determinado lapso temporal no interesse da atividade militar.

O art. 1º, do Decreto nº 99.425/90, define a compensação com um “benefício”, o que corrobora a tese da recompensa correspondente ao tempo de exercício de atividade militar, posto que todo benefício representa uma vantagem para aquele que possui determinado requisito ou uma contraprestação, in casu, o cumprimento do compromisso de tempo de serviço militar.

2.4 – ANALOGIA AO FUNDO DE GARANTIA POR TEMPO DE SERVIÇO (FGTS)

Para os que pretenderem a interpretação analógica, cumpre salientar que a analogia com o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço, não lhes é favorável, uma vez que esse direito também não se concede aos militares de carreira e ao FGTS só fazem jus os trabalhadores dispensados imotivadamente. Aqueles dispensados por justa causa também não recebem esse benefício. Se fossemos comparar as situações, os militares que infringirem o regulamento e por conta disso forem licenciados por conveniência do serviço, estariam dando causa à exclusão e se enquadrariam nas mesmas condições dos dispensados por justa causa, uma vez que descumpriram o regulamento, já que foram reprovados no curso e não poderiam se beneficiar da Compensação Pecuniária.

3. CONCLUSÃO

Do exposto, considerando as informações aduzidas quanto à Compensação Pecuniária, sustenta-se a tese da revogação da Lei nº 7.963/1989, culminando com a inexistência da Compensação Pecuniária do sistema jurídico brasileiro, em razão da revogação tácita, promovida pela Lei nº 8.237/1991, por ter tratado inteiramente da estrutura remuneratória dos militares da Forças Armadas; e, expressamente, pelo teor do seu art. 93, que revogou todos os direitos pecuniários anteriores à sua vigência, bem como pelo fato de que a MP nº 2.215-10/2001, ter se mantido silente quanto à Compensação Pecuniária.

Ademais, ainda que a lei não fosse considerada revogada, a conveniência do serviço não se enquadra nos requisitos exigidos pela Lei nº 7.963/1989, e, de acordo com o exemplo da inabilitação em curso de carreira, a não conclusão do tempo de serviço assumido por compromisso, se opera por culpa exclusiva dos reprovados, uma vez que a falta de aproveitamento, constitui descumprindo da obrigação militar de aprimoramento técnico-profissional e zelo com o preparo próprio intelectual, previstos no Estatuto dos Militares.

A conveniência do serviço é circunstância que a lei não abordou e a jurisprudência não a reconhece como requisito para a concessão da Compensação Pecuniária, motivos pelos quais somente o licenciamento do serviço ativo realizado com fundamento na alínea a, do §3º do art. 121 da Lei nº 6.880, de 9 de dezembro de 1980, pode corresponder à Compensação Pecuniária.

REFERÊNCIAS

1 - Decreto nº 986/1993 - Art. 7° O militar da ativa, licenciado "ex officio", por conclusão do tempo de serviço ou de estágio e por conveniência do serviço, de que trata o art. 121, § 3°, "a" "e" "b" da Lei n° 6.880, de 9 de dezembro de 1980, terá direito ao transporte para si e seus dependentes, até a localidade, dentro do território nacional, onde tinha sua residência ao ser convocado, ou para outra localidade cujo valor do transporte de pessoal e de bagagem seja menor ou equivalente.
2 - Art. 34. O militar da ativa, quando movimentado por interesse do serviço, será indenizado das despesas de transportes, nelas compreendidas a passagem e a translação da respectiva bagagem, para si, seus dependentes, e um empregado doméstico, da localidade onde residir para outra, onde fixará residência dentro do território nacional, quando o transporte não for realizado por conta da União.
3 - ei nº 4.375/1964 - Art. 62. Terão direito ao transporte por conta da União, dentro do território nacional: (...); c) Os convocados licenciados que, até 30 (trinta) dias após o licenciamento, desejarem retomar às localidades em que residiam ao serem incorporados.
4 - Estatuto dos Militares: 121 – O licenciamento do serviço ativo se efetua: ... §3º - O licenciamento ex officio será feito na forma da legislação que trata do serviço militar e dos regulamentos específicos de cada Força Armada: a) por conclusão de tempo de serviço ou estágio; b) por conveniência do serviço.
5 - Regulamento de Promoção de Praças da Marinha.
6 - PCPM – 3.20 – LICENCIAMENTO DO SAM – 3.20.5 – Licenciamento por Conveniência do Serviço – São licenciadas do SAM ex officio, por conveniência do serviço, as praças sem estabilidade assegurada, consideradas incapazes de atender aos requisitos de conceito profissional. São consideradas incapazes de atender aos requisitos de conceito profissional as praças: (...) d) inabilitadas em C-Espc.
7 - DGPM-301 - Normas sobre Ingresso, Compromisso de Tempo, Permanência e Exclusão do Serviço Ativo da Marinha (2005 - 1ª Rev; 2006 - MOD-1).
8 - Estatuto dos Militares – Art. 27 - São manifestações essenciais do valor militar: ...; VI - o aprimoramento técnico-profissional. Art. 28 - O sentimento do dever, o pundonor militar e o decoro da classe impõem, a cada um dos integrantes das Forças Armadas, conduta moral e profissional irrepreensíveis, com a observância dos seguintes preceitos de ética militar: ...; VI - zelar pelo preparo próprio, moral, intelectual e físico e, também, pelo dos subordinados, tendo em vista o cumprimento da missão comum. 9 - Constitui princípio legalmente previsto na Lei nº 11.279, de 9 de fevereiro de 2006 (Lei de Ensino da Marinha), reverter os ensinamentos em prol da instituição. Art. 2º - O ensino na Marinha baseia-se nos seguintes princípios: ...VIII - efetivo aproveitamento da qualificação adquirida, em prol da Instituição.

fonte:
http://www.academiadedireitomilitar.com/index.php?option=com_content&view=article&id=83&catid=35

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